light gazing, ışığa bakmak

Wednesday, June 13, 2012

'A Confissão da Leoa', Mia Couto

já não lia Mia Couto há muito, desde que tentei traduzir os seus textos jornalísticos para inglês, no princípio dos blogues. muito mudou no panorama. já há Mias "lá fora", embora talvez não tanto como devia haver (é sempre pouco). penso que bastante se deve ao tradutor David Brookshaw. nunca li uma tradução, mas ainda hei-de espreitar alguma, especialmente os primeiros livros, aqueles que sempre achei intraduzíveis.

dou por grandes diferenças na escrita - menos bruxuleante; nas história - menos desviantes e com maior estrutura, uma estrutura que mostra ter sido pensada antes e em que não há muitos caminhos secundários (diria: mais firme) e, acima de tudo, uma novidade bem-vinda: a ironia.

para quem consiga ultrapassar o rendilhado e as cores sem sombra de África, nos antípodas do minimalismo; para quem lê sem sentimentalismo, Mia Couto é agora uma maior referência do que era há quinze anos. ele existe num país ressuscitado, numa transversal ao passado, entre-línguas e entre histórias nacionais, fazendo reviver o presente do mato, mas existente por ser já um futuro: o escritor que pertence a várias nações e que atravessa culturas. é muito interessante.

entretanto, passeamos pela explosão de máximas que é (era) em parte base ou substituto do conhecimento escolar. estas mesmas máximas que o escritor usa para brincar e que Jenny Holzer ironiza, projectando-as (sem sentido) em fachadas de prédios e outras construções.

o mundo construído sobre uma estacaria de máximas só pode ser um mundo de opostos: bem e mal, pobre e rico, caçado e caçador, fora e dentro, vivo e morto. o mundo de Mia Couto é este mundo dos opostos que convivem, aqui não há meias realidades nem gradação de cinzentos, o que para mim foi tão estrangeiro como ler Toni Morrison.

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"O homem vê o cacimbo; a mulher vê a chuva. Provébio de Kulumani."

"Todas as manhãs a gazela acorda sabendo que tem de correr mais veloz que o leão ou será morta. Todas as manhãs o leão acorda sabendo que tem de correr mais rápido que a gazela ou morrerá de fome. Não importa se és um leão ou uma gazela: quando o Sol desponta o melhor é começares a correr.  Provérbio africano."

"Só há um modo de escapar de um lugar: é sairmos de nós. Só há um modo de sairmos de nós: é amarmos alguém. Excerto roubado aos cadernos do escritor."

Mia Couto em A Confissão da Leoa.

(até porque sabemos que nada é assim: tudo é possível, tudo se mistura, tudo é incerto)

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