light gazing, ışığa bakmak
Friday, June 15, 2012
onça pintada
não é costume isto, mas faço-o agora: se há livro que aconselho é este - O Velho que Lia Romances de Amor (até com as maiúsculas por cada palavra como é moda anglística). leitura rápida e acessível, história apaixonante (talvez mais para rapazes mas raparigas também pode ser, as mais aventureiras), para amantes da natureza, para reformados, avós e avôs, para a mãe e para o pai, para o irmão adolescente que não lê nada, para o primo e para nós próprios, para ler dez vezes porque é um livro pequeno e porque há mais para ver de cada vez.
e comprem (de preferência em livraria independente), não copiem: o autor está vivo e merece receber pelo seu alucinante trabalho.
um preview, à moda do cinema: um excerto do início do capítulo sete, no momento da saída do grupo que se propõe caçar a onça (a propósito, se houver filme disto, ignorem-no - este vale pela selva que se cria com palavras e pelas cores que elas criam nas nossas congeminações):
" O grupo de homens reuniu-se com as primeiras difusas luzes da alvorada adivinhada sobre as nuvens densas. Um a um foram chegando aos saltos pelo atalho enlameado, de pés nus e de calças arregaçadas até aos joelhos.
O administrador ordenou à mulher que lhes servisse café e rodelas de banana verde, enquanto ele repartia cartuchos para as espingardas. Três cargas duplas para cada um, além de um feixe de charutos, fósforos de cera e uma garrafa de Frontera por cabeça.
- Tudo isto é a cargo do Estado. No regresso têm que me assinar um recibo.
Os homens comiam e enfiavam entre o peito e as costas as primeiras goladas do dia.
Antonio José Bolívar Proaño permanecia um tanto afastado do grupo e sem tocar no prato de folha.
Tinha tomado o pequeno almoço cedo e sabia dos inconvenientes de caçar com o corpo pesado. O caçador deve estar sempre com alguma fome, pois esta aguça os sentidos. Estava a dar pedra ao machete cuspindo de vez em quando na lâmina, e depois, olhando com um olho só, verificava a perfeição do aço afiado.
- Tem um plano? - perguntou um.
- Primeiro vamos ao Miranda. Depois se verá.
O gordo não era, evidentemente, um grande estratega. Depois de verificar aparatosamente a carga da sua Smith and Wesson, "mitiguesso" para os habitantes do lugar, embrulhou-se num impermeável de oleado azul que lhe fazia ressaltar o corpo amorfo.
Nenhum dos quatro homens fez o menor comentário. Gozavam vendo-o suar como uma enferrujada torneira interminável.
«Já vais ver, Babosa. Já vais ver que morninho é o impermeável. Até os tomates te vão cozer lá dentro.»
Com excepção do administrador, iam todos descalços. Tinham forrado os chapéus de palha com sacos de plástico, e em bornais de lona engomada protegiam os charutos, as munições e os fósforos. As espingardas descarregadas iam a tiracolo.
- Desculpe. As botas de borracha vão estorvar-lhe a marcha - observou um.
O gordo fingiu que não ouviu e deu ordem de partida.
Abandonaram a última casa de El Idilio e entraram na floresta. Lá dentro chovia menos mas caíam jorros mais grossos. A chuva não conseguia trespassar o espesso tecto vegetal. Acumulava-se nas folhas e, quando os ramos cediam sob o peso, precipitava-se, aromatizada por todas as espécies.
Caminhavam lentamente por causa do lamaçal. à frente, dois homens abriam caminho a machete, a meio ia o administrador respirando agitadamente, molhado por dentro e por fora, e atrás os dois homens restantes fechavam o cortejo, podando as plantas que tinham escapado aos machetes da frente.
Antonio José Bolívar era um dos que iam atrás do administrador.
- Armem as espingardas. Mais vale andarmos preparados - ordenou o gordo.
- Para quê? É melhor levar os cartuchos secos nos sacos.
- Quem dá ordens aqui sou eu.
- Às suas ordens, excelência. Afinal os cartuchos são do Estado.
Os homens fingiram carregar as espingardas. "
Luis Sepúlveda em O Velho que Lia Romances de Amor
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a gostar igualmente da tradução de Pedro Tamen.
Publicado por
Ana V.
às
12:08 PM
 
TAGS Luis Sepúlveda
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