que afinal é um título bom para a mais bela cidade da europa. nostalgia da minha cidade ilógica, incongruente, surpreendente, triste, luminosa.
fotografar ou viajar na própria cidade é diferente de o fazer em cidades que não nos pertencem? é tudo a mesma coisa, é tudo ver. mas não se olha só, vê-se com a memória e esta é tanto a memória da própria vida como a memória de outras vidas e de imagens feitas para nos construir. viajar procurando ver no mundo o postal também é viver procurando encontrar na vida o que estava presente na fábula. largar todas as expectactivas como se largasse o fio de um papagaio de papel, eis o necessário para que todas as memórias, retratos e fábulas possam circular pelo corpo que vê e sente, as sensações de Cesário Verde a descer uma rua. também através dos seus sentidos nós caminhamos hoje em Lisboa. sentimento de um ocidental é indissociável do caminhar de qualquer e todo ocidental lisboeta no seu passeio domingueiro por esta cidade. caminhamos enredados em fantasmas e ausências.
entre o iseg e a assembleia, uma rua de arvoredo luminoso, um pequeno jardim com uma família em mármore branco. homem mulher criança. no ponto em que a rua de são bento desce até à marginal no novo distrito do design, junto à escola, o santos design district. no número 30 da rua de são bento, faltou-me visitar a palavra do viajante. um pouco anti-natura para mim, para quem todos os livros são uma viagem e que olho para a chamada literatura de viagens como uma classificação de grande superfície. mas aqui o espírito é outro, oposto até: o espírito de abrir os olhos para ver melhor.
ainda na rua de são bento, uma iniciativa que peca por limitada. seguindo este modelo, parece que teríamos de pintar quarenta por cento das casas portuguesas. que seria um país diferente, seria. não sei porque se deita fora algo precioso. já o devo ter feito mil vezes, mas continuo a não entender esse gesto. aprendi recentemente que o número de vezes que é possível deitar fora algo precioso é.. infinito, havendo a sorte de ter o que se deita fora. sim, aqui podia viver gente. sim, as coisas podiam ter sido diferentes.
na montra da alma lusa, o design português em frente ao Bloco de Esquerda. falando de design, uma pastelaria ao lado do Bloco tem uma série de regadores com flores na montra, tentando transmitir esse sentimento caseiro e humano. os regadores de plástico, coloridos, são do ikea. entretenho-me a calcular a influência, ou seja, a intromissão do ikea na vida quotidiana. conheço o catálogo de quase cor, faz parte de todos os planos de mudar isto e fazer aquilo, reconheço as peças em todo o lado. não há quase restaurantes sem ikea. uma lanterna desta marna na papelaria fernandes do Rato, estranhamente, no meio de material de desenho (associação lanterna-desenho?), mobiliário ikea na loja de bijuteria e arte na Cecílio de Sousa, apenas à primeira vista. ponho-me a matutar nesta pastelaria, cuja montra está de caras para a alma lusa e que, no entanto, enche a montra de regadores ikea. vizinhanças.
rpvp, a nova lisboa é imparável. suponho que a consequência de algumas poucas décadas de ensino público generalizado. o resultado de alguma coisa não se limita ao tempo de prateleira actual dos livros da treta.
descendo para a Praça das Flores, a luz de lisboa. não há outro local com esta luz excessiva, as sombras que cortam o chão, flutuantes as das árvores, como facas as paredes e outros objectos sólidos.
na Praça das Flores a esplanada gloriosa do pão com canela. o brunch ao fim-de-semana (em baixo), sobre o qual levantam vôo estas bonecas de um charme incontrolável. (é a minha patroa quem as faz, diz com orgulho), a 13 euros por pessoa, um pouco caro mas suficiente para um dia inteiro de doce embalo pela cidade. a não perder. daqui, com o meu café e uma pequena trança (pecados) vejo o majestoso plátano que dá vida a este largo. as crianças brincam no parque, lê-se o jornal de domingo e, ao contrário de outros locais aprazíveis, não vi mendigos. quando passei um indiano pediu-me em casamento.
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