retrato,

ou tanto retrato como still life (embora as cores sejam diferentes daquelas). um belíssimo olhar.

"E, bem entendido, sabia o que ele estava a ver: sobre a mesa, pêssegos e cerejas numa bandeja com incrustações de madrepérola. Atrás da mesa, a bancada de vime com almofadas de penas do mesmo verde do caixilho da janela. E eu, um velho quase septuagenário, estava sentado nessa bancada e, atrás de mim, ele via o poço, o pardal pousado no parapeito, as cerejeiras, as oliveiras e, em segundo plano, um baloiço, suspenso por longas cordas de um dos ramos da nogueira, que mal oscilava na brisa ligeira."
Pamuk no final de A Cidadela Branca.

páginas mais 'cedo' [p.34], no momento em que o protagonista decide que prefere morrer a converter-se ao islão, lembra o jardim de sua casa:

"A religião tornou-se então, a meus olhos, uma coisa pela qual poderia facilmente sacrificar a vida, o que me inspirou estima e dó de mim mesmo, tal qual pareciam sentir aqueles dois homens que, pela sua pergunta, tornavam ainda mais difícil a minha conversão. Enquanto me esforçava por pensar noutra coisa, surgiu-me a imagem da vista de uma janela que dava para o jardim, nas traseiras da nossa casa. Numa bandeja com incrustações de madrepérola, pousada em cima de uma mesa, havia pêssegos e cerejas e, atrás da mesa, uma bancada de vime sobre a qual estavam dispostas almofadas de penas do mesmo verde do caixilho da janela. Em segundo plano, eu avistava um poço, um pardal pousada no parapeito, cerejeiras e oliveiras. Um baloiço, suspenso por longas cordas de um dos ramos mais altos de uma nogueira, oscilava na brisa ligeira. Quando me fizeram novamente a pergunta, declarei que jamais renunciaria à minha fé."

em paralelo à ideia de quem vê o quê exactamente e quando (em fim de vida), este jardim só pode ser o do Éden, "the everlasting abode of the faithful," Jannat'Adn.

também eu em A Vida Nova encontrei a chave da decifração.