e não sei se teve pais.
o homem vive a ausência como um enorme fardo, imagina tragédias e consome-se na culpa marinheira de não estar presente na vida familiar. acompanha os filhos à distância com exaltação e ansiedade, trabalha como louco no abafo das geringonças sempre de cabeça perdida na distante vila orgulhosamente aninhada na boca de um rio. telefona aos filhos diariamente: antes da escola, depois e à noite, para dar um beijo telefónico de boa noite. quando perde o alcance da rede e uma das três ligações se perde, enlouquece de incerteza com tudo o que poderia acontecer ou poderia ter acontecido sem que ele lá estivesse. constrói mirambolescas possibilidades mergulhadas em tragédia. os colegas impacientam-se, fogem-lhe e desistem. quando por fim retorna a casa no termo de longas missões tudo passa e deixa de existir. a fera amansa e a fúria dissipa-se como nuvens vagas. agora tudo pode acontecer, eu estou cá.
já vivi mais um ano do que viveu Fernando Pessoa.
o j., que raramente liga ao pai, teve um pressentimento. ligou-lhe. liguei só para saber de ti, estás bem? por acaso estou aqui um pouco aflito. e à distância salvou-lhe a vida adiando a morte solitária que vinha dobrando a esquina da entrada.
dias estranhos mergulhados em medo.
nadir, também tu nadaste em praias de istambul. adeus.
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