light gazing, ışığa bakmak

Wednesday, February 19, 2014

lunchtime


de um lado todos os cruzeiros aos fiordes noruegueses (caldeirada de bacalhau), tango argentino e más decoradoras. do outro a decisão de comprar o gigantesco Guerra e Paz (se Karénina fosse o livro antes de morrer, este seria o livro de chegar ao outro lado, qual lado) - a colecção toda na tradução que creio ser de gigantismo comparável, de Nina e Filipe Guerra. [quem comprará estes livros, pergunto-me]. sei que para isto vou à Pó dos Livros, não quero um livro de prateleira, quero um livro de cama, de praia, de café, de sofá, de carro, para dobrar páginas, encher de guardanapos de papel escrevinhados, esquemas e bonecos com setas e pontos de exclamação. esta tradução é do russo e não do françês como soía (melhor sorte tivesse Pamuk, mesmo guardando as distâncias, que interessa, ponho-me a imaginar o Memorial traduzido do inglês para húngaro, por exemplo, ou para o tailandês, nessa altura já lhe deve restar só o 'ial'). Pena que apenas agora tenha saído (gosto destas saídas, quando o meu filho se põe sério mãe já saiu a versão tal e quê do jogo Y, ou já saiu o filme tal e tal, a coisa das saídas dá uma certa gravidade adulta, julga ele. um dia temos de falar, mas ele já me conhece e adivinha o que vou dizer) - saído a tradução portuguesa a partir do russo de Karénina deste duo tradutor. para não perder o Prefácio, aqui.

diz Filipe: "Lióvin não é o auto-retrato de Tolstói, as personagens não são retratos de alguém em particular mas sim compósitas, criadas de várias peças e pessoas para darem credibilidade e consistência à ficção que é o romance Anna Karénina." isto pode parecer uma evidência mas não é. já nem falo das faladeiras de 'livros' que se ouvem todos os dias em todo o lado, mas de leitores de literatura. é fácil divorciar personagem de autor, tão fácil como casá-los. depois da semiologia e de todas as teorias francesas de autoridade e de todas as etiquetas que enfiam pela garganta das crianças nas escolas e liceus (mom, that's a genre, e o som da palavra é solene); reaprendi tudo com Pamuk. era capaz de reproduzir a sua vida a partir da ficção, cada sensação ou cada momento marcante, mas não estou lá para fazer notícias para as revistas das caixas de hipermercado ao lado das chicletes, estou lá por outra coisa, em parte para ver surgir um mundo nas palavras, parece fácil. por exemplo, no capítulo 4 da segunda parte de Guerra e Paz, já de si uma labiríntica referência, a colocação das várias personagens no espaço, o seu movimento próprio e entre si, a descrição (ecfrástica)/retrato e o modo como nove 'pessoas' existem no espaço de quatro páginas onde a luz está definida com precisão. as grandes pinturas da época estão lá, mas não só, há uma geometria que é visível apenas no palco de um teatro mas que Tolstoi ultrapassa e transforma em cinema antes deste mesmo existir como o vemos hoje. a panorâmica, o aproximar do rosto, o entrar na divisão, os adereços, estas páginas breves são todo um tratado. retenho a ironia cómica fulgurante da carta que o comandante baixo e vermelho escreve, as linhas de amor mais puras - depois de se queixar da falta de mulheres nesta terreola onde estão destacados, depois de ter passado a noite a jogar a dinheiro e de o seu 'pequeno-almoço' consistir numa salsinha e um copo de vodka, trocando os érres pelo ús: "when we do not love - we sleep, we are the childwen of the dust... But fall in love - and you are a god, pure as on the first day of cweation..."  -que grande lição.






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