light gazing, ışığa bakmak

Monday, July 28, 2014

passei a minúsculas para poupar tempo. nessa altura escrevia muito e tirava poucas fotografias

o Paulo nunca punha cinto de segurança. era do tempo em que se entrava e saía dos carros sem a prisão do cinto, as crianças seguiam no banco de atrás aos saltos e nas brincadeiras, os carros cheios dos objectos mais inesperados nas mudanças de casa ou nas férias. o paulo não era um homem de família e gostava de conduzir o seu descapotável a grande velocidade. costumava dizer às amigas: "minha querida, olhe esse tanso na faixa do meio, nunca sai dali desde que entra na autoestrada até sair, sempre no meio a xaropar". também mo disse a mim enquanto volteava entre faixas, ultrapassando os tansos da faixa do meio, o cabelo a sentir a velocidade. eu calei-me e assenti pois também eu seguia sempre na faixa do meio, sem ultrapassagens, a uma velocidade constante e segura. um dia o Paulo estampou o carro. não soube como aconteceu, perdeu o controlo e o descapotável andou às cambalhotas por todas as faixas da autoestrada e o Paulo foi cuspido muitos metros pelo ar e pelo alcatrão. não morreu mas esteve à beira disso, internado durante semanas nos cuidados intensivos de hospitais. sucederam-se operações, substituições de pele, de osso, remendos e fisioterapias infindáveis. o paulo não deixou de dançar mas passou a fazê-lo com uma inclinação de proa e arrasto dos pés. as amigas já não eram tão frescas. não sei se passou a usar o cinto de segurança depois do acidente mas era capaz de jurar que não. há quem viva no focinho da vida e não peça desculpa por isso, venha o que vier.

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o meu defeito é o melodrama nas histórias. quase sempre sem arrependimento porque a realidade justifica os excessos conclusivos e de percurso.

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