light gazing, ışığa bakmak

Thursday, September 20, 2007

Dos sentidos: "Como explicar desenhos a uma lebre morta"

Sempre achei curiosa a relação que temos com os sentidos. O paladar, o mais íntimo por se tratar da boca, é o sentido que tratamos melhor. Em geral, pomos cuidado no que levamos à boca, escolhemos a comida que comemos com grande energia e dispêndio de tempo, escolhemos temperos e ingredientes, vinhos, bebidas...

Reparei que, regra geral, quem trata mal das papilas gustativas trata mal os outros sentidos todos. O contrário não é verdade, talvez peso da tradição, talvez a ausência das mulheres na cultura ao longo de séculos, a verdade é que muitos dos que cultivam as artes do olhar, descuram por completo as artes da boca...

Se cuidamos tanto do que levamos à boca, porque descuramos o que levamos aos olhos? Porque descuramos o que entra nos ouvidos... para nem mencionar essas sensações indignas da arte: o tacto e o olfacto. A arte tem ficado pelo esticar sem limites dos dois sentidos mais nobres: o olhar e o ouvir. A arte contemporânea agride todos os sentidos simultaneamente, por vezes. Outras vezes ignora-os todos e toma âncora nos conceitos. Não tenho regras para as preferências, mas quando me tomam de assalto as percepções todas... difícil será não chamar a minha atenção.

A experiência total fica mais perto em algumas formas artísticas como, por exemplo, a ópera, um formato de expressão artística completo e complexo, possível apenas pela conjugação de um grande número de pessoas. Gosto também das apresentações, a "performance art", e tenho pena de esta não ser uma forma de criação mais generalizada.

Recordo, por exemplo, "How to Explain Pictures to a Dead Hare", uma apresentação de Joseph Beuys que teve lugar em Novembro de1965, há quase quarenta e dois anos. Nesta apresentação, o artista podia ser visto através do vidro da galeria. A sua cabeça estava coberta de mel e de folha de ouro. À sola de uma bota tinha presa uma placa de metal, à outra um pedaço de feltro. Durante a apresentação o artista vai explicando à lebre morta ao seu colo os desenhos expostos nas paredes circundantes. O aparente imediatismo físico absurdo remete para uma série de conceitos e interrogações voltando a surgir a pergunta essencial: o que é arte?


Os sentidos ao serviço da revolução dos conceitos: “A Hare comprehends more than many human beings with their stubborn rationalism ...I told him that he needed only to scan the picture to understand what is really important about it" . (Joseph Beuys)

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