light gazing, ışığa bakmak

Friday, October 26, 2007

"A morte burocrática" de José Cardoso Pires

Todos sabemos que a "morte burocrática" não interessa (sabemos?), mas nunca é demais pôr os críticos no lugar. Um curto In memoriam a José Cardoso Pires, citando dois parágrafos que escreveu para o "Diário de Lisboa" em 1972, artigo compilado no livro "Dispersos 1".

"«Quando eu morrer quero ir de burro», disse Sá-Carneiro num dos «últimos poemas» que escreveu. E ele lá tinha as suas razões: as homenagens post-mortem são em muitos casos a apropriação abusiva de uma existência que se recusou a vénias e submissões e, noutros, por isso mesmo uma vingança final sem contestação.

Mário de Sá-Carneiro procurou fugir ao equívoco, evitar o discurso à beira do coval para não ficar irmanado com os medíocres ilustres; mas os medíocres ilustres ou os seus procuradores vingaram-se. Em vez de romperem «aos saltos e aos pinotes», como ele tinha pedido, puseram gravata preta e enterraram-no em 30 linhas de texto a uma coluna na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Mais adiante, no talhão seguinte, letra D, ergue-se o retrato do dr. Júlio Dantas em canteiro de 155 linhas de prosa florida."

José Cardoso Pires deveria ter antecipado a morte burocrática da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vingança maior pelos crimes que foi cometendo ao longo da sua história. A Enciclopédia deixou de ser publicada em 1960, depois disso tem tido apenas algumas reedições ou "livros do ano". No site da Grande Enciclopédia podemos ler: "Para responder às questões e desafios para o Século XXI, mantendo a tradição de qualidade e rigor da informação a que a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira habituou os seus leitores, a editora que a produzio, editou recentemente ..." etc. etc.. A isto eu chamaria uma morte ortográfica... Paz à sua alma.

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