light gazing, ışığa bakmak

Thursday, August 15, 2013

mensagens do fundo do mar

em lisboa há pobres por todo o lado, há pobres que não aparecem nas revistas jeitosas, há muita gente a dormir no chão. vê-se um monte de caixas de papelão, uns trapos e já sabemos que aquilo é a casa de alguém. há pedintes como sempre e há os que não pedem mas que se arrastam pelas ruas carregando sacos de plástico. conhecemo-los pelo cabelo, por vezes pelos sapatos, também pelo modo como olham que é assustador.

num dos abrigos para quem veio da rua, esses locais que é suposto fazerem a ponte entre viver sem nada e o viver com pouco considerado mais normal, há um cabo-verdiano de alguma idade que todos conhecem como o patrão. recebe muitas visitas: de outros que ainda vivem nas ruas e até de primos e família. fixou o seu objectivo: voltar a cabo verde. mas o caminho não será macio. o patrão tem uma anca avariada, o osso roça no osso e as dores são agudas, como um choque eléctrico. o patrão não se consegue deitar para dormir, adormece sentado de viés num cadeirão do abrigo, a anca suspensa para que não toque em nada e a dor não o acorde. espera uma operação há muito tempo. já foi fazendo análises e testes, por vezes está marcada a intervenção mas logo qualquer coisa acontece que adia por algumas semanas ou meses mais a esperada libertação. depois da operação vai embora daqui, regressa a Cabo Verde. uma pequena reforma, cria umas galinhas, procura a família.

o patrão tem uma colecção de telemóveis que apanhou na rua, cada um com uma função muito específica. este é para receber chamadas, aquele é para carregar o primeiro. mas o favorito é o que usa para fazer as chamadas para um silencioso interlocutor: a obra está a correr bem, amanhã já devemos despachar o principal. estou contente com o pessoal, avisa aí que faço as transferências amanhã bem cedo, ninguém fica pendurado.

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