nesta idade em que me deram duas vezes lugar no tram não muito longe de Tophane tenho maior acesso a histórias, o que dá bem comigo: cada vez me sinto melhor dentro de histórias, sejam quais forem. tenho pena que os contadores de histórias de Gogol, à volta do fogo na estepe escurecida, fossem sempre homens, como homens eram a maior parte dos contadores de histórias das coffee houses de Istambul, na sua cadeira elevada, ou os contadores de história índios da américa do norte, que com as história transportavam a história da tribo, de todos os seres vivos, dos seres do ar, de todos os animais e do futuro. na praça a mulher disse-me que tinha feito anos ontem e que tinha posto a toalha para trinta pessoas, entre estrangeiros e portugueses, uma fila de mesas e cadeiras pela rua fora, uma espécie de iftar de aniversário. mas de manhã já estava no mercado a comprar chocos, queria desenjoar do peixe grelhado, para nova leva de convidados. a blusa era amarela com flores pequenas e vermelhas. a mulher era baixa e tinha um peito grande, ao pescoço um fio de ouro com uma cruz mínima. deu-me a receita, assim por alto, mas podíamos ter falado mais tempo. nas histórias de Kelile e Dimme um caminho diferente mas não tão distante de Sherazade, a que sustinha a vida à força de fábulas: as histórias nunca terminam, cada história começa a partir da barriga da história anterior, uma forma de eternidade.
o catálogo de Pamuk leva-me para o livro catálogo de Perec. se um descreve objectos imaginários, o outro imagina a descrição depois dos objectos. tantas histórias.
o vendedor de bolas de berlim da praia é do sul do brasil e dizia para o f.: não descures a escola porque depois pagas com o resto da vida. e continuava: que a mãe lhe tinha pago o curso de psicologia e ele nem ligava. que a mãe tinha morrido e ele descoberto que afinal era pobre e que não podia estudar. nem vivia mal, acrescentou, mas era soberbo, andava sempre de nariz no ar. agora sou mais feliz, a minha vida é simples. por vezes canta quando passa pelas toalhas, muitas vezes dá poemas e outras rimas com o troco. quem sabe a esta hora eu era um psicólogo famoso, o melhor do mundo.
light gazing, ışığa bakmak
Friday, August 23, 2013
psicologia
Publicado por
Ana V.
às
7:39 PM
TAGS Georges Perec, hipsta, Kelile ve Dimne, Orhan Pamuk, Stuff
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